Leia toda a matéria
Como preparar as crianças de hoje
para a vida sexual que está chegando cada vez mais cedo? Dados mostram que a
moçada não usa camisinha na primeira transa e aumenta o número de jovens,
especialmente jovens gays, que se infectam por seguirem não se prevenindo nas
relações posteriores. Ao mesmo tempo, nem a sociedade, nem a escola, nem os
pais e professores estão preparados para falar de saúde preventiva com
crianças, em especial de temas como HIV/aids, DST, drogas e abuso sexual. É o
que diz a psicopedagoga Renata Godi. nho Brandoli – ela descobriu uma forma
lúdica de inserir esses assuntos nas conversas com os pequenos na Associação
Civil Anima, ONG de São Paulo.
Os dados atuais são preocupantes.
A pesquisa Este Jovem Brasileiro, realizada recentemente pelo Portal
Educacional com seis mil jovens entre 12 e 17 anos, em 16 estados, mostra que
73% dos adolescentes perderam a virgindade sem proteção. E mais: 54% dos
entrevistados dizem usar preservativo sempre, 16%, na maioria das vezes, 15%,
às vezes e 14%, nunca. Na tentativa de conseguir dialogar com os adolescentes,
Renata, que é uma das diretoras da Anima, criou o Espaço Anima Jovem, onde
promove várias oficinas.
Para quem vive e convive com o
vírus
A Anima atua há 18 anos nas áreas
de educação e assistência social e tem como missão a luta contra a aids e a
democratização do conhecimento. ”No Espaço Anima Jovem, criado em 2002,
atendemos 90 crianças, entre 6 e 12 anos, que vivem com o vírus HIV ou convivem
com pais e outras pessoas portadoras”, explica Renata. “Levamos informações a
elas por meio de peças de teatro, jogos, leitura, informática, sempre de forma
lúdica. Agora, por exemplo, as crianças estão criando um espetáculo que fala
sobre um jovem vivendo com HIV e o preconceito que ele enfrenta na escola.”
Segundo Renata, o conteúdo das
oficinas é pensado e organizado de maneira a permitir com que os jovens possam
se expressar, adquirir e reforçar conhecimentos. Ela acredita que, na vida
dessas crianças, a ONG acaba preenchendo a lacuna das escolas ao trabalhar o
tema saúde e prevenção. “Muitos educadores, principalmente os das escolas
particulares, têm medo de conversar com os alunos sobre sexualidade. Ainda há
escolas que são repreendidas pelos pais das crianças ao falarem de prevenção de
DST, por exemplo. Há pais que afirmam: ‘eu não pago o colégio para meu filho
conversar sobre sexo’. A aids ainda é um tabu e os educadores têm medo de
introduzir o tema durante as aulas.”
Os menorzinhos também querem
saber
A Anima é responsável também por
um Centro de Educação Infantil, que atende 80 crianças de um a três anos.
Renata explica que é mais complicado falar sobre HIV com crianças pequenas, mas
nunca é impossível. "Existem diversas formas lúdicas de falar com elas.
Podemos usar desenhos, filmes, livros, bonecos para ajudar na comunicação e no
entendimento dos temas."
Para quem acha que menores de
seis anos ainda não estão preparados para iniciar a educação sexual, Renata
afirma: “Nessa faixa etária, elas têm muitas curiosidades. Durante nossas
conversas, fazem perguntas básicas. Por exemplo, querem saber de onde vieram,
como saíram ou entraram nas barrigas de suas mães”, continua a diretora da
Anima. “Embora muita gente não reconheça, isso já é uma pergunta que envolve
sexualidade e é absolutamente natural vir de uma criança de seis, sete anos.”
Prevenção também se ensina
A despeito das dificuldades de
grande parte dos educadores em abordar o tema HIV e aids com os alunos,
especialistas consideram a escola um excelente cenário para as ações
preventivas. Por exemplo, nela, questões relacionadas a direitos sexuais e
reprodutivos, de difícil abordagem em outros contextos, podem ser facilmente
debatidas. Foi pensando nisso que o educador e chefe do Departamento de
Educação Preventiva da Fundação para o Desenvolvimento da Educação do Estado de
São Paulo (FDE), Edison de Almeida, apresentou ao governo, em 1996, o projeto
Prevenção Também Se Ensina.
Segundo Edison, fazem parte do
projeto temas que vão da promoção da cidadania à redução da vulnerabilidade da
comunidade escolar, passando por gravidez na adolescência, uso indevido de drogas
e combate às DST/aids.
"Incentivamos os debates
sobre saúde e prevenção nas escolas para eliminar, por exemplo, a ideia de que
a aids é uma doença facilmente controlada por remédios”, diz Edison. “As
pessoas precisam entender que não é fácil tomar os antirretrovirais diariamente
e esses medicamentos podem causar efeitos colaterais. Então, a melhor solução é
sempre a prevenção.”
O projeto Prevenção Também Se
Ensina abrange todas as escolas das 91 diretorias de ensino do Estado de São
Paulo e é dirigido a alunos dos ensinos fundamental e médio. A cada dois anos,
a FDE, por meio do programa criado por Edison, envia às escolas kits com
materiais didáticos específicos que contêm livros, filmes e sugestões de jogos
que tratam temas como HIV, gravidez na adolescência, abuso sexual, diversidade
sexual, bullying, entre outros. "Nossos kits são criados com base em
atividades lúdicas para ajudar os professores na interação com o tema em sala
de aula", explica o coordenador.
Segundo Edison, as escolas da
rede estadual receberam o último kit no mês de agosto. Alguns dos livros
adotados são dos autores Jairo Bouer, Marcos Ribeiro e Júlio Emilio Braz. O kit
contém ainda o manual Preconceito e Discriminação no Contexto Escolar . É uma
espécie de guia com sugestões sobre atividades preventivas para a sala de aula.
Apesar de trabalhar há muitos
anos para garantir o debate sobre saúde e prevenção nas escolas, Edison diz que
faltam informação e espaços de discussão para os professores. "Precisamos
discutir, trocar experiências e expor as dificuldades, ou seja, buscar
soluções. Não dá para falar sobre aids só no Carnaval e no 1º de dezembro, o
Dia Mundial de Luta contra Aids", continua Edison.
O projeto Prevenção Também Se
Ensina ainda capacita educadores das diretorias de ensino para assessorar,
acompanhar e avaliar a implantação de projetos relacionados aos temas nas
escolas. Um dos casos bem-sucedidos é aplicado no município de Guarulhos. Desde
2006, gestores, professores e jovens da região norte da cidade são capacitados
pelo projeto para multiplicar o debate sobre aids.
Ao longo do curso de capacitação,
que dura em média 30 horas, os jovens têm oportunidade de refletir, tirar
dúvidas e compartilhar o conteúdo com os amigos da escola. “Entendemos que, ao
transformar o jovem em protagonista, as informações chegam com facilidade ao
público alvo”, conta a professora Myrian Taeko Kono Watanave, coordenadora
pedagógica em Guarulhos.
Segundo Myrian, algumas escolas
do município de Guarulhos até disponibilizam preservativos para os alunos.
“Eles ficam numa cestinha, perto da secretaria, e quem quer vai lá e pega”,
continua a educadora. “Aqui em Guarulhos, nossos adolescentes também têm acesso
facilitado ao preservativo nas unidades de saúde e nós, educadores, temos uma
boa parceria com o Programa Municipal de DST/Aids. Comunicamos aos pais sobre
todas as oficinas de prevenção à aids que realizamos nas escolas”, contou.
Segundo Myriam, os professores só
estão preparados para conversar sobre aids em sala de aula a partir do momento
em que enfrentam o preconceito e os tabus. “Este é um tema que atrai muita
atenção dos alunos e os professores devem estar preparados para orientar de
maneira correta. Uma resposta mal colocada a uma criança ou adolescente pode
gerar um grande problema.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário